Nessa quarta feira, dia 24/10/2012 teremos uma aula sobre PSICOFARMACOLOGIA E USO DA MEDICAÇÃO EM SAÚDE MENTAL, com a médica Maria Elvira . Ela é residente de psiquiatria em Betim e tem uma versão muito interessante de sua formação em psiquiatria e do uso da medicação.
DATA: Quarta feira
HORÁRIO: 16:00h
LOCAL: Sala 16 CEASC (4º Andar)
* Aguardamos todos cientes da importância do tema para a formação do médico generalista.
O GRUPO OUTROLHAR ESTARÁ PRESENTE NESSE EVENTO E CONVIDA A TODOS OS MEMBROS PARA QUE SE INSCREVAM.
ABRAÇOS E ATÉ LÁ.
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Depressão: uma praga evitável?
Segundo a OMS, até 2020 a depressão será a segunda principal causa de incapacidade no mundo. Uma recente publicação do JAMA define como prevenir esta maldição mundial em ascensão.
A depressão afeta 121 milhões de pessoas em todo o mundo e é responsável por cerca de 850 mil mortes a cada ano, principalmente suicídios, segundo a conclusão do relatório global sobre a depressão da OMS publicado em 2011. Este estudo, que analisou a incidência da doença em 18 países (pessoas de renda alta, média e baixa), constatou que 15% da população dos países mais ricos sofrem de um tipo de depressão em algum momento de suas vidas. Surpreendentemente, nos países de médio e baixo rendimento, a incidência foi inferior: 11%. Outras conclusões é que em 2010, 28% da população de países de alta renda sofreu ao menos um episódio depressivo grave (EDS), comparado com 20% da população países de renda média e baixa. Porém, o resultado que pode surpreender mais é sobre as mulheres. Elas tem o dobro de risco de sofrer um EDS comparado aos homens. Mulheres viúvas, separadas ou divorciadas tem taxas significativamente mais altas de depressão do que as casadas. Atualmente a depressão a terceira causa mundial de morbidade e ocupará o primeiro lugar nos países de alta renda em 2030, segundo"Preventing Depression: a Global Priority", uma investigação publicada semana passada na revista JAMA (The Journal of the American Medical Association). Além disso, segundo este estudo, disponível em Core Journals de RIMA, mais da metade das pessoas com depressão desenvolvem um transtorno recorrente ou crônico depois de um episódio depressivo e é provável que passem mais de 20% de sua vida em uma condição deprimida. No entanto, para os pesquisadores do Instituto de Psiquiatria e Clínica de UPMC (Centro Médico da Universidade de Pittsburgh), responsaveis por esta pesquisa, a prevenção pode oferecer novas possibilidades para reduzir a carga de morbidez dos transtornos depressivos. Mais de 30 estudos randomizados demonstraram que as intervenções preventivas reduzem a incidência de novos episódios de transtornos depressivos em 25%, e aproximadamente 50% quando estas intervenções são oferecidas em um modelo escalonado de cuidados. "Preventing Depression: a Global Priority" também afirma que os métodos comprovados para combater a depressão incluem a educação, a psicoterapia, mudanças no estilo de vida, nutrição adequada e terapia medicamentosa. Acesse agora"Preventing Depression: a Global Priority"para conhecer as nove medidas estratégicas propostas por este estudo para evitar a depressão.
o GRUPO OUTROLHAR está voltando suas atividades com palestras SEMPRE NO INÍCIO DOS BLOCOS para não coincidir com provas.
Essa semana, nosso convidado é o DR. MARCOS QUINTÃO que irá falar sobre o manejo do paciente difícil (rotulado de poliqueixoso) na estratégia "PROGRAMA SAÚDE DA FAMILIA (PSF)".
DATA: Quarta feira
HORÁRIO: 17:30h
LOCAL: Auditório do CEASC (térreo)
* Aguardamos todos cientes da importância do tema para a formação do médico generalista.
O Grupo Outrolhar tem a honra de convidá-los para o evento: "A Vulnerabilidade psicossocial: Desafio para a formação interdisciplinar". O evento, em forma de roda de conversa, irá ocorrer no dia 11/04/2012 às 18h30min no Campus Boaventura sala 200 com duração aproximada de 2 horas. Com a participação de Joelle Bordet, uma psicossocióloga francesa especialista nas questões relacionadas a vulnerabilidade social e marginalização além da presença do Professor Fuad Haddad e Professora Sybele Márcia.
Contamos com a participação de todos!!!
HAVERÁ CERTIFICADO EMITIDO PELA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA UNIFENAS!
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A Diretoria do Grupo Outrolhar
sexta-feira, 23 de março de 2012
TEXTO SOBRE CLINÍCA
GRUPO OUTROLHAR
CONSTRUINDO UMA REFLEXÃO SOBRE CLÍNICA
Para ampliar nossas conversas sobre clínica, sugiro a leitura de artigos, textos, capítulos de livros, etc., que possam levantar questões acerca da relação que se estabelece com o paciente. A intenção reside na busca por um sujeito lá onde a segregação, a dificuldade de colocar em palavras verbais, a falação (o desabafo) e o silêncio (como forma de dizer) anunciam a possibilidade de eclosão de uma pessoa que busca o rumo de seus processos de sofrimento e “cura”.
Quer dizer, entre o tempo de observar (a cena, a manifestação do paciente, a encenação do contexto, suas histórias de vida) e momento de concluir (o quê?), requer um tempo importante e essencial de compreender. Alunos e professores precisamos lidar com o silêncio entre uma pergunta e uma resposta (que pode ser um silêncio verbal), quer seja na relação entre alunos, entre professores e alunos, bem como entre pacientes e alunos, etc.
O fazer CLÍNCA mostra-se imperativo nesse atravessamento que nossas discussões no GRUPO tem nos feito chegar bem perto. Não poderia ser inoportuno a temática da Saúde Mental neste contexto como norteamento dessa discussão, não excluindo outros campos do conhecimento, mas fazendo jus à existência de nosso GRUPO que por hora se inaugura. A questão é o diálogo dos saberes: os investidos (a experiência), os constituídos (protocolares, científicos, etc.), além da troca entre os mesmos para o advento de novas perspectivas clínicas no campo da medicina.
Assim, sugiro que façamos uma leitura de alguns, são eles em ordem de complexidade/importância:
CAMPOS, R. T. O & CAMPOS, G. W. S. Co-construção de Autonomia: o sujeito em questão. In: Tratado de Saúde Coletiva. CAMPOS, G. (org et al.). Editora: Hucitec, Fiocruz, São Paulo-Rio de Janeiro, 2009, p. 669-688.
MERHY, E. E. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: fazendo um exercício sobre a reestruturação produtiva na produção do cuidado. In: Saúde: a cartografia do trabalho vivo. Editora: Hucitec, 2005, p. 93-112.
3.BARROS, V. A & SILVA, L.R. A Pesquisa em História de Vida. In: GOULART, I. B. Psicologia Organizacional e do Trabalho; teoria, pesquisa e temas correlatos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002, p. 133-146.
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense. 4 ed, 1995, cap IV – Doença, Cura e Saúde, p. 144-163.
BASAGLIA, F. O. Saúde/doença. In: AMARANTE, P. & CRUZ, L.B. Saúde Mental, Formação e Crítica. Rio de Janeiro: LAPS, 2008, p. 17-36.
6.METIPOLÁ. A Clínica e seus impasses. Oficinas: Expressões. O cotidiano e suas bordas. Revista do CERSAM Leste: Centro de Referência em Saúde Mental da Regional Leste de Belo Horizonte, 1997, p. 4-26.
7.LOBOSQUE, A. M. Princípios para uma clínica antimanicomial e outros escritos. São Paulo: Hucitec, 1997. 96p.
8.LÉVY, A. Ciências Clínicas e Organizações Sociais: sentido e crise do sentido. Belo Horizonte: Autêntica, p. 19-30.
9.VIGANÓ, C. A construção do caso clínico. In: Psicanálise e Saúde Mental. Curinga/Escola Brasileira de Psicanálise – Minas Gerais, 1999, p. 50-59.
10.BORGES. M. E. S. Trabalho e uso de si – para além dos “recursos humanos”. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 2004, vol 7, PP. 41-49.
Agora, para estabelecermos uma conversa/parceria com a equipe do PAI-PJ e do LABTRAB da UFMG, sugiro a leitura obrigatória dos seguintes artigos:
BARROS, Fernanda. Otoni. A SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO AO LOUCO INFRATOR. Acrise: desafio estratégico da Reforma. Editora: Hucitec. Saúdeloucura, nº 9, 2009, p. 125-136.
LIMA, M. E. A. Esboço de uma crítica à especulação no campo da saúde mental e trabalho. In: SAÚDE MENTAL & TRABALHO: Leituras. Petrópolis: Editora Vozes, 2003, p. 50-81.
Acho que os referidos artigos se bem lidos e analisados, trarão um ponto vista muito interessante sobre CLÍNICA – não somente a clínica no campo da Saúde Mental...
“A Auenbrugger pertence esta bela descoberta”. Jean-Nicolas Corvisart(1808)
Como o austríaco Auenbrugger, memorável personagem do universo médico, mudou completamente o modo de detectar as doenças que acometem as cavidades orgânicas?
As coisas se deram mais ou menos assim: até o século dezoito os principais meios diagnósticos disponíveis consistiam em ouvir adequadamente a história do paciente, inspecioná-lo, contar a freqüência respiratória e o pulso. Aferir a temperatura ainda era algo novo e não constava no exame padrão recomendado pelos professores da época. Estetoscópio? Nem pensar, ainda não existia (seria inventado por Laennec décadas mais tarde). Se uma determinada cavidade do corpo, a chamada caixa torácica, por exemplo, fosse acometida por uma doença qualquer, se enchia de um líquido estranho e os médicos não tinham outra forma de detectar a agressão senão no exame pós-morte, a autópsia. Com o mal longe dos olhos e das mãos dos médicos os danos eram inexoráveis.
Aí aparece a inventividade do nosso personagem, o médico e flautista Joseph Leopold Auenbrugger. Filho de um estalajadeiro, o médico aprendeu com o pai a avaliar a quantidade de vinho de uma barrica pela percussão. Quando se formou em medicina, teve a idéia – diz-se ele – de adaptar tal procedimento ao exame do doente. Ele foi o criador de um novo e revolucionário modo de examinar os pacientes: a percussão das cavidades orgânicas. Músico, ele estava familiarizado com coisas como ressonância, timbre, altura do som, o que lhe ajudou muito em seus estudos sobre o novo método.
Em condições normais as vibrações produzidas pela percussão do tórax são abafadas devido a grande diferença acústica observada entre a parede torácica e o parênquima pulmonar. Se o parênquima é substituído pelo ar, como ocorre na situação conhecida como penumotórax, a diferença acústica se acentua ainda mais, e o abafamento do som se torna mais pronunciado. O resultado é um som de maior amplitude e duração, francamente musical, descrito sempre como “timpânico” (em referência ao tímpano) instrumento musical presente em qualquer orquestra sinfônica da atualidade. Se o tecido pulmonar é preenchido por líquido ou algo sólido, a dita diferença acústica é minimizada e o som produzido se torna de baixa amplitude e curta duração, descrito usualmente como “surdo”.
Na literatura: Em 1761, o famoso médico publicou seu Inventum Novum ex Percussione Thoracis Humani, obra escrita em latim, de 97 páginas, que apresentou o revolucionário meio de investigação das cavidades orgânicas. Ao apresentar sua obra à comunidade científica, Auenbrugger escreveu:
Apresento ao leitor um novo método para detecção de doenças, descoberto por mim. Consiste na percussão do tórax e na avaliação das condições internas da cavidade de acordo com a ressonância do som assim produzido. Minhas descobertas não foram antes confiadas ao papel por causa de um incontrolável impulso ou pelo desejo de teorizar. Sete anos de observação tornaram o assunto claro pra mim, o suficiente para que me sinta em condições de publicá-lo. Sei que encontrarei oposição às minhas opiniões. A inveja e a acusação, o ódio e a calúnia sempre foram o ônus daqueles que iluminaram a arte ou a ciência com suas descobertas. Leopold Auenbrugger (1761).
De fato, somente 46 anos depois, quando o clínico francês Jean Nicolas Corvisart, médico pessoal de Napoleão Bonaparte, introduziu o método percussivo na prática clínica e divulgou sua tradução em francês do trabalho de Auenbrugger é que a importância do invento foi definitivamente estabelecida.
REFERÊNCIAS:
1. Sakula, Alex. Auenbrugger: Opus and Opera. J.Roy. College Physicians,Vol 12; 1978.
2. Souza, Álvaro N. – Grandes médicos e grandes artistas – nomes que deram vida a medicina e as artes. – Salvador, BA, 2006.
3. SCLIAR, Moacyr, "A Paixão Transformada", Companhia das letras, São Paulo, 1996
Em toda a história da arte, talvez nenhum conjunto de obras artísticas visuais reflita tão bem a miséria humana como as pertencentes ao período azul dePablo Picasso (1881-1973) .
A fase é basicamente caracterizada pelo predomínio de cores sombrias, como o azul e o verde. São obras impregnadas de melancolia, tristeza e pessimismo.
São exemplos de temas explorados nessa fase: trabalhadores exaustos, mendigos, meninos de rua, alcoólatras, idosos, doentes, amantes desesperados, mães e crianças abandonadas.
"Mãe com criança enferma". Pablo Picasso, 1903. Metropolitan Museum of Art, New York.
A figura feminina retratada na pintura acima é uma prostituta, acometida por sífilis, que Picasso conheceu ao visitar o Hospital de Saint Lazare, em Paris. A mulher, abandonada, buscava ajuda para seu filho doente.
Vê-se expresso no rosto da mãe a solidão de sua condição. Seu filho, desnutrido, aparece envolto num manto que ameniza a imagem de sua tristeza e desolação.
O pintor enfatiza tanto os olhos suplicantes dos personagens, que aparecem fixos no espectador, quanto a magra mão da jovem mãe, que agarra seu filho mantendo o gesto de carinho e proteção enquanto aguarda auxílio.
REFERÊNCIAS: Solar, Ma Dolores Villaverde. “Achaques, dolencias y padecimientos en la mujer a través de la pintura/Ailments, ilness and sufferings in woman through painting”. January 1, 2010.
Drauzio Varella , formado em Medicina pela USP, é um médico brasileiro que estreitou a ligação da ciência à arte. Notável escritor, publicou Estação Carandiru, obra que ganhou os prêmios Jabuti e Livro do Ano. Dentre outros livros, é autor também de Por um Fio e Borboletas da Alma.
Cancerologista há mais de quarenta anos, Drauzio convive com pacientes terminais diariamente. A estreita ligação com o tema, entretanto, não o preparou para viver a situação inversa.
Mal fechei os olhos, o quarto foi invadido por um batalhão de enfermeiras e auxiliares perguntando-me se apresentava alguma alergia, queixa cardíaca, pulmonar, urinária ou digestiva. Enquanto respondia a uma delas, outra instalava o aparelho de pressão em meu braço, e uma terceira colocava o termômetro e enlaçava a pulseira de identidade. Um técnico de laboratório passou um garrote para colher sangue e ligar o frasco de soro: ‘Vou dar uma picadinha’. Foi o primeiro de uma série de diminutivos que viriam a ser pronunciados. [...] O emprego do diminutivo infantiliza o cidadão. Deitado de camisola e pulseirinha, sem forças para agir por conta própria, cercado de gente que diz ‘Vamos tomar um remedinho’; ‘Abre a boquinha’; ‘Levanta a perninha’... há maturidade que resista?
Ao retornar de uma viagem à Floresta Amazônica em 2004, Varella sentiu um mal estar associado à febre e, após um período de relutância obstinada, interrompeu o atendimento em seu consultório e aceitou repousar. Dias depois, foi internado. As incertezas quanto ao diagnóstico cresciam conforme aumentava a febre.
Acompanhando de perto a aflição dos colegas, o paciente viu-se na angustiante posição de compreender melhor do que o doente comum a gravidade de seu caso. Astênico, com a mente embaraçada pela doença e pela morfina, ciente da gravidade de sua situação, o médico passou a considerar a possibilidade de que seus dias estavam contados.
Em “O Médico Doente”, o autor narra sua experiência sob a ótica clínica e cirúrgica. Do leito hospitalar ele retorna aos caminhos que o levaram à profissão e revela os sentimentos de um médico impotente, à beira da morte.
REFERÊNCIA: 1.Varella, Drauzio. “O Médico Doente”. Companhia das Letras, São Paulo, 2007.
"Quando encontro-me em profundo desespero, tenho paciência e penso: todo o mal traz consigo algum bem." Ludwig van Beethoven
É bem conhecido que o admirável músico alemão foi atormentado por uma progressiva surdez durante grande parte de sua vida. Essa condição levou o gênio a um isolamento social extremo devido ao qual sofreu grave depressão. Paradoxalmente, foi nesse momento que Beethoven alcançou uma linguagem musical ímpar em termos de emoções, chegando ao ápice do sucesso de sua carreira.
Através de fragmentos extraídos de textos escritos pelo próprio compositor, podemos conhecer o processo que culminou na grave deficiência auditiva, bem como avaliar a profunda angústia que esta lhe causou.
SURDEZ
Os primeiros sintomas ocorreram em Viena, tinha Ludwig os seus 26 anos de idade. Iniciada precocemente com um estranho zumbido, a surdez foi progredindo, até alcançar um estado irreversível de grave deficiência auditiva.
Numa carta ao amigo e médico Franz Gerhard Wegeler, datada de 21 de junho de 1801, o maestro refere detalhadamente a progressão dos sintomas, os tratamentos propostos por vários médicos, obviamente inúteis, e a angústia provocada pela ineficácia dos métodos empíricos.
Você tem tido notícia da minha situação? Os meus ouvidos nos últimos 3 anos estão cada vez mais fracos. Frank, o diretor do Hospital de Viena, procurou retonificar o meu organismo com tônicos e meus ouvidos com óleo de Mandorle. Não houve nenhum efeito, a surdez ficou ainda pior. Depois um asno de um médico me aconselhou banhos frios, o que me levou a ter dores fortes. Outro médico me aconselhou banhos rápidos no Danúbio, todavia a surdez persiste, as orelhas continuam a rosnar e estalar dia e noite. Te confesso que estou vivendo uma vida bem miserável. Há quase 2 anos me afastei de todas as atividades sociais, principalmente porque me é impossível dizer para as pessoas : Sou surdo !... Se minha profissão fosse outra, talvez poderia me adaptar à minha doença, mas no meu caso a surdez representa um terrível obstáculo. E se os meus inimigos vierem a saber ? O que falarão por aí? Para te dar uma ideia desta estranha surdez, no teatro eu tenho que me colocar pertíssimo da orquestra para entender as palavras dos atores e a uma certa distância não consigo ouvir os sons agudos dos instrumentos e do canto. Surpreendentemente, nas conversas com as pessoas muitos não notaram minha surdez, acreditam que eu sou distraído. Muitas vezes posso ouvir o som da voz mas não entendo as palavras, mas se alguém grita eu não suporto ! O doutor Vering me disse que certamente meu ouvido melhorará, se isso não for possível tenho momentos em que penso que sou a mais infeliz criatura de Deus.
Em de novembro de 1801, Beethoven, cheio de esperanças, reescreveu à Wegeler:
O que você pensa do doutor Schmidt? Parece ser um outro homem. Me contam maravilhas dele. O que você acha? Um médico me disse que viu em Berlim um menino surdo-mudo começar a ouvir e um homem surdo por sete anos se curar totalmente.
Chegou a consultar-se com o doutor Schmidt, que apenas recomendou que descansasse em Heilingenstadt, pequena aldeia proxima à Viena.
DEPRESSÃO:
E foi em Heilingenstadt que Beethoven atingiu a plenitude de seus pensamentos musicais. Lá também, escreveu o Testamento de Heilingenstadt, documento que nos prova o drama psicológico vivido pelo compositor em seu isolamento. A depressão do maestro, em parte, foi reflexo de sua doença, mas não deixemos de mencionar que, filho de um pai rígido e rude, Beethoven parece ter tido uma infância bem infeliz, o que, de fato, influenciou muito na crise que quase o levou ao suicídio.
Ó homens que me tendes em conta de rancoroso, insociável e misantropo, como vos enganais. Não conheceis as secretas razões que me forçam a parecer deste modo. Meu coração e meu ânimo sentiam-se desde a infância inclinados para o terno sentimento de carinho e sempre estive disposto a realizar generosas ações; porém considerai que, de seis anos a esta parte, vivo sujeito a triste enfermidade, agravada pela ignorância dos médicos. [...]Devo viver como um exilado. Se me acerco de um grupo, sinto-me preso de uma pungente angústia, pelo receio que descubram meu triste estado. Mas que humilhação quando ao meu lado alguém percebia o som longínquo de uma flauta e eu nada ouvia! Ou escutava o canto de um pastor e eu nada escutava! Esses incidentes levaram-me quase ao desespero e pouco faltou para que, por minhas próprias mãos, eu pusesse fim à minha existência. Foi a arte, somente a arte, que me salvou. Ah, parecia-me impossível deixar o mundo antes de ter dado tudo o que ainda germinava em mim![...]Esta foi minha vida, angustiosa. Quando lerem estas linhas saberão que aqueles que de mim falaram, cometeram grande injustiça. Peçam ao Dr. Schmidt para descrever minha doença para que o mundo possa se reconciliar comigo, ao menos após minha morte. Ludwig van Beethoven, in Testamento de Heilingenstadt, 6 de Outubro de 1802. [O testamento foi encontrado em Viena, numa pequena escrivaninha, anos após a sua morte.]
ESTUDOS PATOGÊNICOS:
Inúmeras hipóteses têm surgido para determinar as condições patológicas que causaram a surdez do músico, mas apesar das diversas propostas, a verdadeira natureza ainda é desconhecida. Segundo alguns autores, a perda progressiva e o zumbido tipo chiado referido por Beethoven são sintomas característicos de otosclerose. Um artigo mais recente defende que se trata de uma surdez tipo mista, devido ao início precoce, bilateral, simétrico e de evolução diferente de cada lado. Considera-se também a hipótese de que o ouvido interno pudesse ter sido acometido por uma neurite tóxica, infecciosa ou luética.
Dados da autópsia realizada no dia seguinte de sua morte:
"A cartilagem do pavilhão é grande e irregular. O meato acústico externo próximo ao tímpano mostra descamações epiteliais. A trompa de Eustáquio tem mucosa espessa e a parte óssea estreita. As células mastoideas e o parte petrosa do osso temporal principalmente próximo à
cóclea está hiperêmico. Os nervos acústicos estão atróficos e desmielinizados. As artérias auditivas estão dilatadas e escleróticas”. por Johann Wagner e Karl Rokitansi
A CRIAÇÃO - NONA SINFONIA:
Proporcionalmente ao processo de perda de audição, surgiram sons que “gritavam” na cabeça de Beethoven, sons estes que, segundo ele, expressavam sua alma e sua vida. Foram esses sons que deram origem a sua obra-prima. Completada em 1824, quando já quase completamente surdo, foi a última sinfonia composta por Beethoven. A mais conhecida obra do compositor foi apresentada pela primeira vez em Viena. O músico que regeu a sinfonia foiMichael Umlauf, na época também diretor do teatro. Beethoven hesitou a regência graças ao avançado estado de sua surdez. Ao término da apresentação, o artista não pode perceber que estava sendo ovacionado. Umlauf teria ido a ele e o virado em direção ao público para aceitar seus aplausos.
Abaixo, um vídeo com a representação da Nona sinfonia em sua estréia. Faz parte de “Beloved Immortal”, um filme magnificamente dirigido por Bernard Rose. O vídeo evidência a surdez diante da orquestra, a forma como a música “gritava em sua cabeça” fazendo-o ouvir enquanto relembra cenas da própria vida e Umlauf virando-o para receber os aplausos.
"Abracem-se milhões! Enviem este beijo para todo o mundo! Irmãos, além do céu estrelado Mora um Pai Amado. Milhões se deprimem diante Dele? Mundo, você percebe seu Criador? Procure-o mais acima do Céu estrelado! Sobre as estrelas onde Ele mora!" - Ode an die Freude, Schiller, 1786. (Nona sinfonia, quarto movimento).
Através da inevitável solidão Beethoven alcançou uma linguagem musical cheia de emoções, que provavelmente nunca teria conseguido em condições físicas normais. Já que não podia ouvir o mundo, a voz criativa que havia em si manifestou-se plenamente. Talvez a própria surdez, por isolá-lo do mundo e colocá-lo entre as estrelas, tenha sido uma das principais colaboradoras de sua genial obra.
REFERÊNCIAS:
http://medicineisart.blogspot.com/search/label/Otorrinolaringologia
1.MORRIS, EDMUND “Beethoven” , OBJETIVA, 2007.
2.BENTO, R. “A Surdez de Beethoven, O Desafio de um Gênio” Arq. Int. Otorrinolaringol. / Intl. Arch. Otorhinolaryngol.,São Paulo, v.13, n.3, p. 317-321, 2009.
3. Beethoven, Ludwig, "testament", Heiglnstadt, 6 de octubre de 1802.